terça-feira, 14 de outubro de 2008

Amor em espera -Capítulo 2 -

Passava das cinco quando Ellen resolveu voltar. Já não poderia mais protelar sua conversa.
Sabia que ele ainda a esperava, mas não como ela queria que fosse ou como ela sonhara. Para ele, ela era somente sua amiga fiel e infalível de todas as horas, pensou ela.

Ao passar pelo corredor, já poderia sentir seu perfume em toda sua casa, com seu remate na sala de estar, onde ele a aguardava impaciente. Ellen parou de frente para o espelho por um instante para verificar se seu cabelo estava arrumado, foi quando ele se levantou.
- Pelo menos da próxima vez - disse ele - não esqueça de despedir-se de mim.
E sem delongas saiu de sua casa sem ao menos dar tempo para réplica. Deixando-a somente com o silêncio de um final de tarde com presságio de uma longa noite nostálgica.

- Ah! Como olhar para um sentimento atrofiado pelo simples desleixo de não saber como usa-lo.
Pensou ela. Como dar razão a ares que mostrariam uma suposta timidez desmedida e incorrigível. E lembrou-se do dia em que tropeçou ao entrar na sala em seu primeiro dia de aula, e seu jeito de levantar descompassado pela vaia geral, onde seu zumbido eternizara-se em seu ouvido. O que lhe custou horas a fio de terapias contínuas.
Olhou de volta ao espelho, para ver se ainda existia aquela menina que outrora subia no pé de manga acreditando estar em outro planeta. Não era mais a mesma. Pensou ela. Aquela bonomia inútil, uma arte de sonhar ensandecida e o tédio de sua voz tinham ficado para trás. Só restava uma mulher fatídica sem eira nem beira, somente com sua vontade reprimida de usar palavras de um poeta para uma pessoa que não saberia diferenciar poesia de uma bula a faziam esmorecer sem dó nem piedade.

E assim ela ia vivendo, sem olhar nos olhos dele, sem se deixar ver. Deveras, seu medo de ser percebida por ele uma única vez a fazia estremecer, pois para ela bastava-lhe somente um olhar, um momento apenas, para descobrir o que lhe ia à alma. Seu pecado imortal. Seu disfarce, sua mascara cairia mostrando toda sua insensatez, seu desplante e devaneios.

De menina ingênua e boazinha, pensou ela, somente meu arrebique que finge com esmero uma timidez anacrônica e pertinente. E com um suspiro de quem está cansada de tanto esconder o que lhe ia à alma, Ellen subiu para seu quarto, abriu as janelas para sentir a brisa do pôr do sol. Pensou em Deus, fez uma oração em silêncio, pensou em tudo que tinha suportado até o momento e agradeceu por não ter se entregado a perdição, à derrocada. Foi em direção a sua cama, deitou-se. Fechou os olhos por alguns momentos ficou assim, no silêncio.

E como se um dilúvio aparasse sua cabeça, Ellen deu um salto, e com a respiração ofegante, disse:
- Meu Deus, como sou cega, perdi tanto tempo em meu disfarce que não reconheci o mesmo nele! Sua inércia, era isso, sim, é isso! Esse tempo todo... E pensar que quase enlouqueci...
E Ellen em uma espécie de ânsia misturada com uma felicidade brutal começou a lembrar-se do dia em que o conheceu, há 20 anos atrás...

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