quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Amigos são para essas coisas

- Chega pra lá, não toque em mim, que te esborracho.
- Cada tapa que me deres, te devolverei com 10.
- Doente.
- Não te incomodes se tenho lepra.
- Doido, maluco.
- Não te incomodes tão pouco com isso.
- Prefiro o diabo.
- Deixo isso por sua conta. Mas me conta, o que houve para você ficar assim. Estás estressada?
- Tá tão evidente assim?
- ...
- Ah... tá bom vai, não foi um dia bom.
- Calma! Alguns dias são perdidos mesmo. Sei bem o que é isso.
- Houve um problema na produção de dias então. Ultimamente todos estão perdidos. Sabe, hoje é um dia desses....
- Ah sim, um desses dias.
- Esses dias que parece que só existem dois tipos de gente: as Vítimas e os culpados.
- Esqueceu que também existem os mortos.
- Claro que não. Os mortos são da turma dos culpados, senão por que seriam mortos?
- Eu prefiro então em ser os culpados, desde que isso signifique que haja inocentes.
- Você é um idiota.
- Melhorou?
- Acho que sim, é que ando amarga demais.
- Que é isso, imagina. Você ainda consegue sorrir.
- Isso não é um sorriso, é paralisia facial.
- Vê, e ainda tem senso de humor. Percebo que melhorastes, então vou nessa, tchau.
- Tá bom, maluco. Não some, tchau.
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terça-feira, 28 de outubro de 2008

E se....

Fazia frio quando ligaram para o senhor Henry:
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- O senhor precisa vir para o hospital urgente... disse a voz do outro lado da linha.
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- O que aconteceu? Perguntou. Mas em seu íntimo já sabia a resposta.
- Madame Henry está em trabalho de parto.
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Foi o suficiente para Henry sair em disparada, sem nem mesmo colocar o telefone no gancho. Já esperava por isso, quando saiu pela manhã percebeu um certo mal estar em sua querida esposa.
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Chegando ao hospital, Henry foi informado da situação de sua mulher:
- Senhor Henry, devo lhe esclarecer que o parto da madame Henry será complicado. Talvez seja importante a realização de uma cesárea, apesar de ser uma técnica nova, estamos confiantes de que será o melhor.
- Tudo bem Doutor, mas, por favor, não deixe que nada aconteça a minha esposa.
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E assim seguiram todos para a sala de cirurgia, inclusive o senhor Henry, que queria ficar ao lado da amada.Uma tensão no ar. Seguiu uma cirurgia complicada e demorada. Henry juntamente com as enfermeiras olhavam atentamente quando viram quando o doutor puxou o bebê.
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- Olha senhor Henry, disse a enfermeira, seu bebe nasceu, olhe, parece um menino.. sim, é um menino. Não está feliz senhor Henry.
Com uma cara de desespero e raiva eis a resposta:
- Como poderia, ele quase levou minha esposa.
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Somente este desabafo e Henry se retirou da sala, pois não poderia mais ver sua amada ser tão maltratada por aqueles médicos. Resolveu se sentar e esperar até que pudesse ficar com ela.Já haviam passado mais de duas horas quando veio finalmente o médico.
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- Senhor Henry, sinto lhe informar que perdemos seu bebê, ele já nasceu sem os sinais vitais, por isso o parto da sua esposa foi tão complicado, pedimos que o senhor tenha paciência, pois estamos tentando controlar no momento a hemorragia da sua esposa.
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Aquilo veio como uma facada para Henry, ele nem imaginava que sua esposa corria risco de vida. Ao ver a palidez do Henry, o médico sugeriu que ele fosse até a lanchonete comer algo, pois já estava ali há muito tempo sem se alimentar. E assim foi.. Pediu um café que não queria tomar e sentado na mesa ficou com seu cigarro a queimar somente com um pensamento.
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- E se ela morrer.- Pensava ele. - Não ela não irá morrer. Claro que não. Ainda tão jovem. Mas é se ela morrer. Mas e se ela ... não, isso não vai acontecer. Definitivamente não. Mas... não vou nem pensar nisso, ela não vai. Mas e se ela morrer... como iria ficar sem ela... não, não vai.
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Henry pegou a colher para misturar o açúcar em seu café como forma de espantar o agouro. Seus movimentos automáticos eram claros e seu pensamento com uma inquietação tão cruel que ele não conseguia desvanecer-se dele.
- Mas e se ela morrer. E ficava com esse pensamento inerte.
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Poderia confundir Henry com uma estátua de tão imóvel e sombrio ele parecia..
-Mas e se ela morrer. Já não só pensava, como falava também em voz alta.
- Mas e se ela morrer. – Olhando para o nada, repetia. – Mas e se ela morrer. Mas e se ela morrer. Não, não irá morrer. Não vai ficar tudo bem, vamos voltar para casa e continuar nossas vidas... como seria minha vida sem ela... não, não... não... ela não vai morrer.... Não poderia, não poderia me deixar sozinho... - e arriscando um sorriso gelado continuava - ... Não, ela não vai...
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Planejamos tudo, será tudo perfeito, ela ficará triste pela morte do nosso bebê... Mas, ela vai ficar boa. Vamos fazer uma viagem, ela vai ficar boa. Mas e se ela morrer.... mas e se ela morrer e me deixar... e se ela partir... e se ela morrer... Henry largou seu cigarro e seu café e correu para dentro do hospital, quando a enfermeira o encontrou:
- Senhor Henry estava a sua procura. Sinto muito senhor Henry...
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Ele correu. Foi em direção a sala em que estava sua esposa. Porém, já era tarde.
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A senhora Henry já havia falecido....
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E Henry não pôde despedir-se pois estava ocupado com seus pensamentos.
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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Voando alto

- O que você faz durante o dia?

- Fico deitado na cama.

- Deve ser chato né?

- Nada, é legal. Eu gosto.

- Como pode ser legal ficar o dia inteiro deitado numa cama?

- É que assim eu não preciso falar, nem ver ninguém.

- E isso o agrada?

- Ah sim, têm muita gente medíocre por ai.

- Você tem namorada?

- Não.

- Você pensa em garotas?

- Claro. Mas isto está fora de cogitação.

- O quê? Garotas?

- Não. Namorada. Acho que nenhuma namorada iria querer ficar comigo o dia inteiro na cama olhando para o teto.

- Você não deveria pensar assim. Deveria se entreter com alguma coisa.

- Mas esse é o ponto. Estou muito ocupado fazendo as planilhas com os horários de todos os aviões que passam sobre a minha casa. Tenho todos anotados, a hora, a direção, barulho do seu motor. Sei por exemplo quando um se atrasa ou não.

- Você faz isso todos os dias?

- Menos quando venho aqui.

- Entendo. Ok, encerramos nossa consulta. Vemos-nos na próxima quarta então?

- Desculpa, tenho um compromisso importante.

- Com os aviões?

- Não. Namorada.

- Mas... é..

- (risos) Desculpe, estava apenas fazendo uma piada, pegou o espírito?

- Hã? Com os aviões?

- Não. Com a namorada.

- ...

- Então até quarta, tenha uma ótima semana.

- ...

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O lobo apenas têm fome

Quem tem medo do lobo mau? Ouvi dizer que a floresta não é a mesma, a pacata chapéuzinho passou de "moça dócil" a "mulher ranzinza", porque ficou para titia.

Já o lobo mau, hoje faz parte de um grupo seleto de monges que estão em revolução no Tibet, depois que ficou viúvo da vovózinha resolveu que serviria somente a evolução espiritual.
Dizem que o lobo mau está escrevendo uma biografia onde ele conclui que o melhor afrodisíaco para uma vida é a carência sexual prolongada, porque só assim ele pôde conhecer a sua companheira, sua amada e falecida esposa, a vovózinha.

Eles viveram muito felizes, ao contrário de todas as expectativas da floresta. Sabem aquelas orelhas enormes, as “Orelhas de burro”!

Burro que nada, o lobo depois de passar a vida inteira comendo garotinhas, descobriu que caldo de galinha velha é que faz comida boa. A linda história de amor do lobo com a vovózinha começou entre o final da estórinha nostálgica que todos conhecemos e a estada do lobo na papuda. Deveras, porque sob o aspecto jurídico e moral, o lobo cometeu uma enorme gama de crimes tipificados no Código Penal Brasileiro quando invadiu a casa da vovó.

Foi concluído no STF que o lobo não era mau, o coitado apenas estava com fome. Só não se sabe até hoje de qual fome propriamente dita estavam falando, já que a vovózinha de vítima passou a cúmplice.

Quem não conhece a expressão de que não devemos ir ao supermercado fazer compras quando estamos com fome, se não pegamos tudo que vêmos pela frente?

Ora, há de se ver que com o amor e a paixão também é assim.
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domingo, 19 de outubro de 2008

Ócio

Olha a hora. Horário de verão, 2:43 AM e eu aqui.

Uma latinha, acho que vai outra!

Checando e-mail: "Oi minha vizinha especial!! Cadê vc que não está mais no orkut? Sentir sua falta.bjos e uma ótima semana pra vc."

Mas gente, um ser lembrou-se de mim. Será que o orkut continua o mesmo?

Acho que um sono está por vir. Travesseiros em seus postos... (ô falta do quê fazer)

Anywhay. Boa noite, boa sorte!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Apesar de...



Essa carta é totalmente e absolutamente para você.

Entre tantas palavras mal ditas e malditas, não saberia dizer onde exatamente nos perdemos, ou onde te perdi. Mas sei que foi uma solução tardia, eis que me sinto presa ao fato de querer ser desejada. Sobretudo de ser desejada por você.

Com meu jeito selvagem receio ter dificultado a missão de ambos. Porque embora sem saber o que queria, adivinhava que seria algo difícil de dar e receber de você.
Sucumbida estou a uma completa irresponsabilidade: o desejo de ter e de ser possuída sem verdadeiramente se envolver. Parece isso uma loucura, eu sei, mas uma loucura sem necessariamente ser ou ficar doida.

Eu não digo que posso oferecer muito, mas tenho ainda a vontade intensa e uma esperança violenta. Mesmo com seu tom seco e doce dizendo não. Eu não choro, mas se for preciso um dia eu grito.

Eu já poderia ter tido você com meu corpo e minha alma. Sim poderia. Poderia ainda perder algum tempo pensando nisso sem perder a vida inteira. Mas isso também de nada me adiantaria.

Mantínhamos em segredo para tornar isso possível. Tenho disfarçado com falso entendimento e aceitação a sua indiferença, sabendo que essa sua indiferença pode ser apenas uma de suas angustias de toda uma vida, disfarçada.

Não fomos mais insanos em nossos propósitos para não nos sentirmos envergonhados antes de apagar a luz. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. Pelo menos temíamos.

Você me dá a impressão de que voluntariamente se separa das pessoas que gostam de você, porque não está acostumado aos carinhos e elogios. A melancolia parece te seduzir mais. O sofrimento te apraz, pois não é mesmo com bons sentimentos que se faz literatura: a vida também não.

Para a felicidade te parecer aprazível você precisa “antes”, para verdadeiramente senti-la, de todas as garantias.

Não o condeno por isso, e ainda faço mais, vou me fazer conhecer melhor para você. E chegaremos à conclusão que isso era a única coisa que eu não poderia lhe dar.

Gosto de falar com as pessoas, mas uso pouco às palavras, pelo simples fato de me perder em seu manuseio correto. Sou irritável e posso agredir facilmente, mesmo que não seja a intenção. Mas tento não fazê-lo. Sou paciente e perdôo com facilidade. Esqueço de quase tudo e não esqueço nada. Sou tranqüila, mas profundamente colérica se provocada. As pessoas dificilmente me irritam e facilmente me magoam, mas sempre esqueço disso também, mesmo porque eu as perdôo de antemão. Gosto das pessoas de forma mais egoísta possível. E tenho uma paz profunda, somente porque ela é profunda demais e não posso atingi - lá.

Mas e o que eu sei de você. Quase nada, entretanto conheço-o profundamente. Apesar de seu ar frio, você é cheio de muito amor e é isso que certamente te dá uma grandeza, essa grandeza que você não percebe e que me dá medo.

Teu rosto, teu olhar tem um mistério de uma esfinge: decifra-me ou te devoro.

Sei que falo muitas bobagens, mas não menti em nenhuma delas. E se me confessei, não importa, sobretudo se foi a você.

Talvez agora você me desconheça um pouco mais. O melhor modo de despistar é dizer a verdade, embora eu não tenha nenhuma vez tentado me despistar de você.

Só me restou uma tristeza melancólica. Perder uma coisa que nunca a obteve, não é uma tristeza fácil de entender. Mas tudo bem, amanhã provavelmente terei alguma alegria, sem grandes êxtases, só um pouco de alegria. Mas depois de amanhã a alegria poderá ser intensa e me aplacar quem sabe “Deus sabe onde”. É assim a nossa mediocridade de aceitar as coisas e simplesmente viver.

Um dia um guru me disse que devemos arriscar mesmo apesar de:
Apesar de engordar, se deve comer. Apesar de sofrer, se deve amar. Apesar de viver, se deve morrer. E o apesar de, muitas vezes, é o que nos empurra para frente. E foi apesar de, que te encontrei e foi apesar de, que gostei de você.

E apesar de, fui logo desejando você. E é apesar de, que vou me silenciar quanto a sua indiferença. E é apesar de, que não mais te pedirei para olhar para mim. E acima de tudo é apesar de, não quero esquecer você e saber que você é uma exceção que foge aquela velha regra que homens são insensíveis demais para entender uma mulher. E é apesar de, que escrevo essa inútil carta, sabendo que nada voltará a ser como era antes.

Porém, você mais do que ninguém sabe que uma carta contém apenas uma esperança.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Explicando o inexplicável

É isto, mudei.

E não transferi os textos e os comentários e tudo o mais para a nova casa, então resolvi começar assim, limpo, organizado e decente. Na verdade estou adorando isso.

Até achei uma musiquinha que combina:


Começar de novo

Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Ter me rebelado, ter me debatido
Ter me machucado, ter sobrevivido
Ter virado a mesa, ter me conhecido
Ter virado o barco, ter me socorrido
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Sem as suas garras sempre tão seguras
Sem o teu fantasma, sem tua moldura
Sem suas escoras, sem o teu domínio
Sem tuas esporas, sem o teu fascínio
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena já ter te esquecido
Começar de novo



Nunca escutei esta música, e se ela for estilo bem brega, err... o que eu posso dizer... sorry.
Mas convenhamos, ficou combinando com a situação vai...
É isso!

Então "começo" oferecendo o selinho Barbarella para:


Rob Gordon, Lorida, Acepipes, Tyler Bazz, Sarge
E é só.. Blogs que realmente eu paro toda semana para lêr!

..

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A malícia de uma despedida

Seu corpo fino, porém esbelto o bastante para despertar desejo em qualquer homem. Bonita? Talvez, mas em tudo uma mulher sensual. Ela pensara em terminar com Adalberto, seu namoro de alguns meses, mas não naquele dia, decidira que o encontraria uma última vez para se entregar àquele desejo mudo. Ela o tinha provocado, sabia disso, e talvez exatamente por isso ele a amasse sempre daquele jeito.

E foi com esses pensamentos que Ellen começou a pintar-se, mesmo sabendo que isso ela nunca o fizera muito bem, e que algumas vezes fora motivo de piadas para suas colegas. Para compensar sua maquiagem apática, ela sempre caprichava no perfume. Seguia sempre o mesmo rito, começava pelo pescoço e terminava pelos seios, ali ela passava delicadamente, quase que se acariciando com aquele perfume deliciosamente doce, cujo nome guardara somente para ela, escondendo de suas amigas. Esse era seu segredo, essa era sua malícia.

Usaria qual vestido? Certamente seria aquele que ela comprara após difíceis 3 meses de economia da mesada que recebia de seu pai. Tudo planejado. Quando ela foi à loja, sabia o que queria, sabia que seria algo delicado, com tanto que fosse modestamente sedutor. Algo que mostrasse sua delicada nudez. Algo que mostrasse o que Adalberto iria perder. Escolhera um vestido exatamente neste tom.

Colocaria os brincos? Sem dúvida. Algo que realçaria seu rosto e seus ombros esguios. Terminou colocando os sapatos, aqueles de cetim preto, que pegara emprestado com a amiga, a mesada não foi o suficiente para os dois. Olhou para o relógio, marcara 20h00min, finalmente chegara o momento. Olhou avidamente uma última vez para o espelho e percebeu seus olhos pintados de um tom de sarcasmo que diziam:

- Sem pudor esta noite, meu amor, ou serei obrigada a te devorar como uma virgem.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Amor em espera -Capítulo 2 -

Passava das cinco quando Ellen resolveu voltar. Já não poderia mais protelar sua conversa.
Sabia que ele ainda a esperava, mas não como ela queria que fosse ou como ela sonhara. Para ele, ela era somente sua amiga fiel e infalível de todas as horas, pensou ela.

Ao passar pelo corredor, já poderia sentir seu perfume em toda sua casa, com seu remate na sala de estar, onde ele a aguardava impaciente. Ellen parou de frente para o espelho por um instante para verificar se seu cabelo estava arrumado, foi quando ele se levantou.
- Pelo menos da próxima vez - disse ele - não esqueça de despedir-se de mim.
E sem delongas saiu de sua casa sem ao menos dar tempo para réplica. Deixando-a somente com o silêncio de um final de tarde com presságio de uma longa noite nostálgica.

- Ah! Como olhar para um sentimento atrofiado pelo simples desleixo de não saber como usa-lo.
Pensou ela. Como dar razão a ares que mostrariam uma suposta timidez desmedida e incorrigível. E lembrou-se do dia em que tropeçou ao entrar na sala em seu primeiro dia de aula, e seu jeito de levantar descompassado pela vaia geral, onde seu zumbido eternizara-se em seu ouvido. O que lhe custou horas a fio de terapias contínuas.
Olhou de volta ao espelho, para ver se ainda existia aquela menina que outrora subia no pé de manga acreditando estar em outro planeta. Não era mais a mesma. Pensou ela. Aquela bonomia inútil, uma arte de sonhar ensandecida e o tédio de sua voz tinham ficado para trás. Só restava uma mulher fatídica sem eira nem beira, somente com sua vontade reprimida de usar palavras de um poeta para uma pessoa que não saberia diferenciar poesia de uma bula a faziam esmorecer sem dó nem piedade.

E assim ela ia vivendo, sem olhar nos olhos dele, sem se deixar ver. Deveras, seu medo de ser percebida por ele uma única vez a fazia estremecer, pois para ela bastava-lhe somente um olhar, um momento apenas, para descobrir o que lhe ia à alma. Seu pecado imortal. Seu disfarce, sua mascara cairia mostrando toda sua insensatez, seu desplante e devaneios.

De menina ingênua e boazinha, pensou ela, somente meu arrebique que finge com esmero uma timidez anacrônica e pertinente. E com um suspiro de quem está cansada de tanto esconder o que lhe ia à alma, Ellen subiu para seu quarto, abriu as janelas para sentir a brisa do pôr do sol. Pensou em Deus, fez uma oração em silêncio, pensou em tudo que tinha suportado até o momento e agradeceu por não ter se entregado a perdição, à derrocada. Foi em direção a sua cama, deitou-se. Fechou os olhos por alguns momentos ficou assim, no silêncio.

E como se um dilúvio aparasse sua cabeça, Ellen deu um salto, e com a respiração ofegante, disse:
- Meu Deus, como sou cega, perdi tanto tempo em meu disfarce que não reconheci o mesmo nele! Sua inércia, era isso, sim, é isso! Esse tempo todo... E pensar que quase enlouqueci...
E Ellen em uma espécie de ânsia misturada com uma felicidade brutal começou a lembrar-se do dia em que o conheceu, há 20 anos atrás...